Especial: Fim de abono aumentará déficit de pessoal e demanda por concursos

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As medidas anunciadas no último dia 14 pelo governo federal visando a uma economia de R$2,7 bilhões nas despesas com pessoal no Orçamento de 2016 podem representar um retrocesso sem precedentes na administração pública federal. Além de suspender a realização de concursos públicos, o poder Executivo planeja por fim ao abono de permanência, que é o valor pago aos servidores que já possuem condições de se aposentar, para que permaneçam em atividade. #vaiterconcurso

Caso a medida seja levada a cabo, pode representar a perda de 224 mil servidores nos próximos cinco anos, o que equivale a mais de 35% da atual força de trabalho da máquina pública federal, que é de 628.671 trabalhadores, segundo o Ministério do Planejamento. Desses, 101 mil poderão abandonar os seus postos imediatamente, deixando um verdadeiro vácuo em diversos serviços públicos prestados à sociedade, aumentando exponencialmente a demanda por concursos públicos, que já é grande em diferentes órgãos, autarquias e fundações, além de criar um déficit em instituições que hoje contam com um quadro satisfatório.

E mais, além de anular todo o esforço feito ao longo dos oito anos do governo Lula, período no qual 155 mil novos servidores foram admitidos com a política de retomada dos concursos - de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) -, a perda de trabalhadores estimada pode levar o número de servidores públicos federais a um patamar inferior aos registrados em todo o governo Fernando Henrique Cardoso, marcado pelas privatizações e esvaziamento do funcionalismo público. Se todas as aposentadorias previstas se efetivarem e as reposições não forem feitas, o governo passará a contar com pouco mais de 400 mil servidores. No período FHC, esse número nunca esteve abaixo dos 500 mil.


Entidades chamam a atenção para a precarização do serviço público

A interrupção da política de concursos seria ainda a quebra de uma promessa que vem desde o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. "É imprescindível que a gente tenha o processo de concursos públicos no Brasil, porque quem defende um estado meritocrático e profissional não pode aceitar que as carreiras não sejam fortalecidas", afirmou a presidente, durante a campanha eleitoral de 2010. Para fontes ouvidas pela FOLHA DIRIGIDA, o governo precisará rever a suspensão dos concursos, se não quiser emperrar de vez as engrenagens da máquina pública, já combalida. "A sociedade já não possui um atendimento à altura da sua necessidade. Como o governo vai repor essas aposentadorias se suspender os concursos?", questionou o secretário jurídico da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Edilson Muniz.

"As medidas anunciadas pelo governo com relação aos servidores federais traçam um ambiente de colapso no serviço público", alertou o presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), João Domingos, em entrevista à TV Globo. "Se você conjuga (o fim do abono de permanência) com o cancelamento dos concursos, você estabelece um horizonte péssimo não apenas para os servidores públicos, mas principalmente para o usuário do serviço público", completou. Numa conta que não fecha, o governo reduz o fluxo de entrada de novos quadros, ao mesmo tempo em que estimula a saída de milhares de servidores ainda na ativa, mas já em condições de se aposentarem.

Domingos lembrou ainda que o Brasil já está atrás de diversos países desenvolvidos em termos de percentual da população em atividade no serviço público, conforme outra pesquisa do Ipea. "E esse ambiente vai piorar bastante", lamentou. E na hipótese do fim abono ser efetivado, há pouca esperança de que os servidores que podem se aposentar prefiram continuar trabalhando. "Como esses trabalhadores vão ficar no serviço público se não têm uma contrapartida?", indagou Josemilton da Costa, secretário de Administração da Condsef. O abono de permanência é de 11% do salário do trabalhador.


Receita e INSS entre os que precisarão de concursos

Ambas as representações dos servidores públicos federais informaram ter convocado reuniões de emergência para discutir as questões. "Caso não se reabra o diálogo, nós vamos para o Congresso Nacional, onde o ambiente nos parece mais propício para reverter essas decisões", disse o presidente da CSPB. No Congresso, o fim do abono de permanência precisará ser aprovado por meio de um Projeto de Emenda à Constituição (PEC), a ser enviado pelo Executivo, que possui um rito de aprovação mais complexo que o de projetos de lei.

Entre os órgãos que poderão sofrer com a evasão em massa de servidores, aumentando a urgência de novos concursos, está a Receita Federal, que possui vital importância para o equilíbrio das contas públicas do governo. Segundo o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais (Sindifisco Nacional), Mário Pereira, 2.600 auditores recebem o abono de permanência atualmente, de um total de 10.500 servidores em atividade. A carreira ainda registra cerca de 600 aposentadorias por ano, número que deverá crescer, não havendo mais incentivo à permanência daqueles que já reúnem condições para passar à inatividade.

Somando-se os analistas-tributários, outra categoria que compõe a área fiscal da Receita, o total de servidores recebendo abono de permanência é de 5 mil, segundo o coordenador-geral de Gestão de Pessoas do órgão, Francisco Lessa. O número é o mesmo que o órgão pretende contratar por meio de concurso solicitado ao Ministério do Planejamento. A intenção seria abrir 2 mil vagas de auditor e 3 mil de analista. Os planos, no entanto, ficam ameaçados com a suspensão das seleções pretendida pelo governo.

No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a quantidade de servidores que poderão deixar ainda mais carentes aqueles que dependem dos serviços prestados pela autarquia é mais que o dobro, superando a casa dos 10 mil trabalhadores. E até 2017, o número poderá saltar para 18.420 servidores. Os efeitos nocivos da falta de atendimento adequado por parte do instituto têm sido experimentados atualmente em função da greve de servidores, prejudicando milhares de pessoas que dependem da perícia do INSS para ter acesso a benefícios como o auxílio-doença.

A instituição é uma das poucas que conseguiu a autorização do Planejamento para realizar concurso este ano. A permissão, no entanto, é apenas para técnico e analista do seguro social na área de serviço social. Além de demandar um maior número de contratações por meio do concurso, o fim do abono de permanência deverá também intensificar a necessidade de seleções para os demais cargos que compõem a autarquia, como perito médico e analista nas demais áreas.


MTE e Abin já possuíam autorização sinalizada

Diversos outros exemplos importantes podem ser citados de instituições que dependerão da abertura de concurso para manter as suas atividades com o fim da contrapartida aos servidores aposentáveis, como Banco Central (BC), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Instituto Nacional do Câncer (Inca). Esse último, chegou a anunciar a previsão de abertura de 600 vagas, justamente para a reposição de aposentadorias. Já o BC, responsável pelo controle da inflação, tem lutado há anos para manter o seu quadro de servidores em um nível adequado, chegou a perder a média de um trabalhador por dia, mesmo com a existência do abono.

No MTE, cerca de 500 auditores do trabalho podem se aposentar ou irão adquirir as condições para isso nos próximos meses, segundo o sindicato da categoria (Sinait). A entidade destaca ainda que a recomposição do quadro de auditores é fundamental para o combate não só à informalidade no mercado de trabalho, como também à sonegação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), cujos recursos o governo pretende usar para reverter o déficit no Orçamento de 2016. Desde o início do ano, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, vinha afirmando que a seleção pedida para o cargo já estava informalmente autorizada pelo Planejamento, situação semelhante à da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que possuía inclusive a indicação da oferta de vagas. A FOLHA DIRIGIDA questionou o Ministério do Planejamento sobre como ficam os pedidos de concurso com vista à realização ainda em 2015, casos de MTE e Abin, mas ainda não obteve retorno.

Em entrevista ao programa Conexão Concurso que irá ao ar neste sábado, dia 19, o especialista em concursos públicos Rodrigo Motta observou que a debandada de servidores da administração pública federal, com o possível fim do abono de permanência, irá sobrecarregar aqueles que ficarem, resultando na ineficiência da máquina estatal, o que fere um princípio constitucional. "Sem servidores suficientes, o trabalho fica acumulado, não atende à coletividade e o serviço público fica caro e moroso. Portanto, concurso público é uma necessidade que a administração terá que cumprir", apontou.

Segundo o Planejamento, as diversas solicitações de concurso feitas à pasta para realização em 2016 ficam suspensas, precisando ser reapresentadas até o fim de maio do ano que vem, para autorização em 2017. Se insistir na suspensão para o próximo ano, o governo deverá ficar ainda mais pressionado no ano seguinte, tendo que liberar um fluxo de concursos maior que o normalmente praticado. É estudar e aguardar.



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