Jovens infratores participam de concurso para obter vaga no serviço público

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O setor público abriu as portas para a ressocialização de adolescentes em conflito com a lei. No domingo passado, pela primeira vez no país, 14 jovens maiores de idade participaram de concurso público do Conselho Federal de Administração (CFA), na Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire), no Distrito Federal. Na saída da prova para o cargo de agente de portaria,a esperança de um futuro melhor. “Chorando, vieram me agradecer, dizendo que eu posso ter mudado a vida deles”, afirmou Tirza Rosa, coordenadora da escola que fica nas dependências da unidade.

A iniciativa de inscrever os adolescentes partiu das secretarias de Educação e da Criança e do Adolescente e do Instituto Quadrix, que organizou o certame. A decisão foi tomada antes mesmo do lançamento do edital, em 17 de março. Como os jovens já estudavam matérias similares às cobradas na prova, entre elas matemática, português e conhecimentos gerais, o edital foi visto pelos professores da Unire como uma boa oportunidade de motivá-los. A chance de prestar o concurso animou o filho da comerciante Rita de Cássia Ribeiro, 38 anos, um dos socioeducandos, que telefonou à mãe para dar as boas-novas. “Achei a notícia excelente. Seria ótimo se houvesse mais oportunidades como essa. Nunca tinha ouvido falar de internos receberem incentivo para fazer um concurso”, disse Rita.

Depois de saber da novidade, a comerciante se informou sobre o procedimento exigido para que o filho pudesse fazer a prova. Além de inscrevê-lo e pagar a taxa, a liberação dependeu de autorização da Defensoria Pública, conseguida com facilidade. Comovida com a história de outro interno, que não tinha ninguém para interceder por ele, Rita se dispôs a ajudá-lo. O jovem, que tem a mesma idade do filho dela, 19 anos, não recebia visitas há mais de quatro meses. “A mãe biológica estava presa, o casal que tem a guarda dele está em situação delicada, e ninguém podia fazer a inscrição por ele”, contou. “Ele também estava super- empolgado para fazer a prova.”

Pioneirismo
Às 5h30 da manhã do último domingo, o filho de Rita já estava acordado para não correr o risco de perder a prova. “Ele quase não conseguiu dormir, estava super- nervoso”, comentou a mãe. “Dizia que ia conseguir passar e consertar a vida dele.” De acordo com a coordenadora Tirza, a ansiedade foi compartilhada por todos os colegas. A isonomia foi respeitada na realização dos testes e os adolescentes não tiveram regalias. Às 8h30, iniciaram o exame, que durou quatro horas. Os 14 jovens infratores realizaram os exames nas salas de aula da Unire, o que dispensou o trabalho de escolta.

“O efetivo de agentes de integração social ainda é baixo, então não tínhamos pessoas nem carros para acompanhá-los se o teste fosse realizado fora da unidade. Mesmo se todos pudessem fazer a prova num mesmo local, havia um grande risco de não poderem ser escoltados até lá”, explicou Tirza. Responsável pela aplicação da prova, o Instituto Quadrix exigiu apenas ter um carro estacionado dentro das instalações, segurança para os colaboradores da banca, e que os internos dispusesse do material e da documentação necessários.

O sucesso foi tanto que o presidente do Instituto Quadrix, Edison Andrade, já cogita aplicar outras provas em unidades de internação. “Vai depender de cada situação e de cada concurso. Estamos dispostos a realizar esse tipo de esquema para outros jovens”, enfatizou, sem esconder o orgulho pelo pioneirismo nesse tipo de iniciativa. “Esses meninos merecem oportunidades. Acho que todo mundo tem o direito de fazer um concurso público, se reabilitar e seguir a vida.”

Engajamento
Para o presidente do Gran Cursos e diretor executivo da Escola de Governo do Distrito Federal (Egov), José Wilson Granjeiro, o ineditismo de realizar provas em uma unidade de internação pode ser explicado pela complexidade da operação. “É como aplicar um concurso nacional: tem que ter muito estudo, planejamento e experiência. Mas, também é preciso melhorar e aperfeiçoar a logística”, avaliou.

Na opinião do ex-presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac) e presidente do Grupo Vestcon, Ernani Pimentel, ações como essa ainda encontram resistência devido aos custos. “A viabilidade econômica também é muito estudada pelas bancas, para que não tenham prejuízo. Fomentar esse tipo de iniciativa, que depende muito da intermediação do governo, exige vontade política e engajamento social das autoridades”, analisou. Apesar de procurado pelo Correio, o Conselho Federal de Administração não se dispôs a fazer comentários.



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