Por preferência ou falta de tempo, candidatos viram a noite estudando para concursos

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Na capital dos concursos, vale tudo para tirar as melhores notas: até amanhecer em frente aos livros. De olho nos concurseiros que trabalham ou ainda naqueles que têm hábitos noturnos, cursinhos oferecem preparações com horário diferenciado. É o caso do grupo Impacto, que passou a promover aulões crossfit, na unidade da 512 Sul. Nas sessões, alunos acompanham resoluções de exercícios num ritmo puxado, das 18h às 6h. O projeto começou em agosto do ano passado, inicialmente para atender a candidatos ao certame da Secretaria de Saúde que eram plantonistas. Em cada edição, que costuma ser realizada três semanas antes de uma prova, a aula se concentra em um concurso específico e trabalha as principais questões e matérias relativas a ele. Até o momento, foram ministrados nove aulões do tipo — a média de público em cada um variou de 100 a 200 pessoas. A nona edição — realizada em 2 de abril — foi dedicada à prova da Associação Geral do Pessoal Penitenciário (Agepen).

Estudar de madrugada faz parte da rotina de Antônio Sérgio Melo, 40 anos, que trabalha das 8h às 18h num cargo comissionado há oito anos. Para conseguir conciliar o trabalho e outras responsabilidades, ele opta por se dedicar à preparação para a Agepen — que será realizada no próximo domingo (19) — num horário fora do convencional. “Costumo estudar das 23h às 4h; nos fins de semana, a preparação vai até as 6h.” Um dos 150 presentes na nona edição do aulão crossfit do Impacto, Antônio aprovou a sessão. “O horário foi bom, e ter um feriado no dia seguinte (a Sexta-feira Santa) foi um ponto positivo. Os professores impuseram um ritmo puxado, mas construíram um clima descontraído e fizeram pausas quando a turma precisou”, conta.

“Muitos concurseiros têm o hábito de estudar nas primeiras horas do dia porque o telefone não toca, o vizinho não liga o som alto, há menos distrações e ruído. Isso ajuda a manter o foco e pode aumentar o rendimento e a concentração”, observa o professor de direito constitucional do Impacto Rodrigo Francelino, idealizador dos aulões durante a madrugada. Rodrigo e o professor de direito constitucional Orlando Júnior, que ministraram aula sobre Lei Orgânica do Distrito Federal e direito constitucional na última edição, constatam que o perfil daqueles que procuram esse tipo de curso é variado e costuma ser de pessoas focadas.

Além do conteúdo, a programação inclui lanche e atrações, como apresentações de stand up comedy. André Lopes, coordenador-geral do grupo Impacto, explica que um dos objetivos é democratizar o acesso às aulas para pessoas que não podem comparecer durante o dia. “65% das pessoas que comparecem não são alunos do cursinho, é uma proposta que desperta o interesse.” Ele acredita que a dinâmica prende a atenção, por isso funciona. Lopes argumenta, porém, que não é algo que deve ser feito com muita frequência. “Promovemos o aulão de quatro a cinco vezes ao ano. Se for demais, desgasta estudantes e funcionários.”

Alunos notívagos
A mãe de Leila Santiago, 24 anos, a chamou de louca quando a filha disse que compareceria a um aulão de madrugada, mas ela explica que é uma pessoa noturna e que precisa aproveitar enquanto ainda tem fôlego. Funcionária da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Leila garante que não desanima durante esse tipo de aula por conta dos professores e das piadas que prendem a atenção. “O método é muito eficiente, acredito que vai pegar. Quero ser delegada da Polícia Federal, por isso estou aqui. Essa vaga é minha.”

Vinícius Alves, 20 anos, trouxe reforços para o aulão — sua fiel companheira: uma garrafa térmica com café. “Passar a madrugada toda estudando pode ser desgastante, e a cafeína ajuda com o cansaço e me deixa mais acordado”, comenta. Apesar de jovem, Vinícius tem esposa e uma filha de três anos e busca um cargo público na Agepen. Essa foi a primeira vez que o jovem compareceu a um aulão do estilo. “Esse método pode dar certo, já que motivação é essencial, e o horário de estudo não importa.”

O primeiro do DF
O pioneiro no estilo no Distrito Federal foi o Gran Cursos, que ofereceu a primeira aula de madrugada em 2000. Há dois anos, a instituição parou de oferecer a opção. “A pedido dos alunos, começamos a fazer o LuAula, da 0h às 6h, com resolução de exercícios e conteúdo das principais matérias de um concurso específico. Nas ocasiões, promovíamos shows musicais, sorteios de brindes, atividades de relaxamento e café da manhã. Havia também uma turma regular com conteúdos básicos de concurso com aulas de madrugada das 23h às 2h. Mas os tempos mudam, e os alunos passaram a preferir fazer cursos de madrugada on-line, sem ter que se locomover; então interrompemos o projeto”, conta o professor de direito administrativo e administração pública Wilson Granjeiro, dono do Gran Cursos.

Esforço em vão
A mudança nos horários pode ser prejudicial para o cérebro, pois vai contra a fisiologia do corpo. Algumas pessoas dizem funcionar melhor de madrugada, mas, em longo prazo, esse processo pode causar exaustão mental e comprometer a produtividade e o rendimento do estudo. Em situação de ansiedade prolongada, o cortisol — conhecido como hormônio do estresse —, vai para a região de cérebro responsável pela memória e compromete a fixação, podendo levar a exaustão, fadiga mental ou até mesmo depressão.

O aumento da concorrência e a busca por empregos e salários melhores levam as pessoas a quererem superar limites físicos. Porém, passar a madrugada estudando não é o mais eficaz. O corpo precisa manter um contexto de hábito de estudo, com horários estabelecidos e pausas regulares de descanso, porque o cérebro fixa o que aprendemos enquanto dormimos. Sem descanso apropriado o esforço é em vão. Se a prática for esporádica, pode ser que não seja prejudicial. A complicação está nas últimas semanas antes do exame. Se o estilo de estudo muda repentinamente em uma data muito próxima da prova, o cérebro pode não conseguir acessar as informações.

Flávia Martins, mestra em cognição e neurociência do comportamento

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